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segunda-feira, 6 de agosto de 2007

Ser professor hoje...

Ser professor hoje: valerá a pena remar contra a maré?

Público, 04.08.2007, Leonel Bacalhau

O difícil é conseguir convencer o "sistema" de que "passar" um aluno que sabe zero não é ajudá-lo (...)

Todos os dias ouvimos (e vemos) empresários a explicar porque transportam as suas empresas para a República Checa; para a Eslovénia; para outros países do Leste da Europa. Porquê? Eles respondem: salários mais baixos; uma cultura de valorização do trabalho e, principalmente, uma formação académica geral de qualidade.
Na União Europeia, a média das populações activas com pelo menos o nível secundário de ensino situa-se nos 75 por cento. Nos países do Leste europeu ronda os 98 por cento. Em Portugal andará pelos 20 por cento.
Mas pior que as estatísticas sobre o "nível de escolaridade" são as estatísticas sobre a "qualidade" da formação dos portugueses.
Mais uma vez os empresários explicam: para trabalhar numa fábrica, os operários têm de conseguir compreender as ordens; ler e compreender as instruções, etc., e uma grande parte dos jovens que sai do "secundário", para já não falar do "básico", não consegue compreender/traduzir as instruções escritas simples.
Dito de outro modo - são analfabetos funcionais.
Assim sendo, Portugal está em risco. Não podemos concorrer com os trabalhadores chineses. Não somos capazes de concorrer com os eslovenos ou com os lituanos, etc.
Que fazer?
Só há um caminho. Preparar os jovens para o futuro. Ensiná-los a pensar. "Exigir-lhes" que aprendam!
Os professores são pessoas com formação superior. São elites intelectuais. Têm (temos) obrigação de ajudar os jovens a prepararem-se para que possam construir em Portugal uma vida digna!
O que podemos fazer pelo nosso país?
Parece-me simples... temos de fazer bem o nosso trabalho e exigir condições para tal.
Qual o trabalho do professor?
Primeiro, ensinar e ensinar a aprender (ensinar a pensar).
Em segundo, avaliar os conhecimentos adquiridos pelos alunos/formandos.
A "escola de excelência", na minha perspectiva, não é a que obtém bons resultados no papel (medidos pelo nível de "sucesso", traduzido este em percentagem de "passagens").
A "escola de excelência" é a que prepara os jovens para enfrentar o futuro difícil que têm pela frente.
"Passar" alunos é extremamente fácil. "Dar" dez não implica qualquer esforço excepto o de "adormecer" a consciência profissional. Até porque toda a gente fica contente e ninguém questiona a excelência do professor que "passa" toda a gente!
O difícil é remar contra a maré.
O difícil é dizer não.
O difícil é dizer basta.
O difícil é conseguir convencer o "sistema" de que "passar" um aluno que sabe zero não é ajudá-lo.
Não é promover a sua mobilidade social ou sequer a sua sobrevivência económica.
É, simplesmente, enganá-lo; enganar a sua família e condená-lo à marginalidade económica e social.
Repare-se que o conhecimento é uma "escada".
Cada patamar permite adquirir conhecimentos do patamar seguinte. Mas ninguém consegue chegar ao último degrau se não percorrer o primeiro.
"Passar" um jovem que não sabe o suficiente num dado patamar é condená-lo à incapacidade de aprender alguma coisa no patamar seguinte.
Será isto difícil de compreender?
Nós, os professores, temos obrigação de ser bons a pensar e a interpretar a realidade que nos cerca.
E a actuar em conformidade."
Esqueçamos a ministra. Bem ou mal faz o trabalho dela e um dia será "despedida".
Façamos nós bem o nosso trabalho, porque este vai ter reflexo no país nos próximos 40 ou 50 anos. No país onde nascemos e queremos viver.
É por estes valores que luto todos os dias nesta nossa profissão: ensinar; motivar; ensinar a pensar; avaliar para aquilatar das capacidades de progressão dos meus alunos.
Estarei só?
Às vezes até parece! Mas tenho a certeza de que "só parece".
Tenho a certeza de que cada um de nós saberá responder à questão:
"O que posso fazer pelo meu país?"

Professor

(O artigo, escrito no dia em que faleceu, vítima de enfarte, foi-nos - Público - enviado pela viúva)

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